"Detenho-me um instante na cenográfica praia da Rocha, extasiado nos dois grandes penedos destacados e num fio de areia doirada ao pé da água azul – tudo pintado por Manini agora mesmo. A um lado a ponta do Altar entra decidida pelas águas; do outro, o esfumado Lagos mal se entrevê ao longe... Duas impressões se fixam no meu espírito para sempre: a noite extraordinária, a luz maravilhosa. A luz sustenta. Basta esta luz para se ser feliz. É ela que encanta o Algarve. É ela que produz os figos orjais, os coitos, os bracejotes, todos eles amarelos, a estalar de sumo, e destilando um líquido perfumado, e o figo preto de enxaire que se mete na boca e sabe a mel e a luz perfeita. É ela a criadora destas agonias doiradas que vão esmorecendo e passando por todos os tons até morrer a muito custo. E as noites mágicas e caladas, as noites sem lua, muito mais claras que as noites do norte, em que se distingue a brancura voluptuosa das casas e se vêem as estrelas enormes reluzindo através das amendoeiras."
in: Raul Brandão - Os Pescadores, p. 82
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