Vindo
de Alfandangas, ao entrar na Fuzeta pela rua principal, encontramos, à
esquerda, um cinema com o nome, em grandes letras, pintado na parede:
Cinema Topázio.
Passos andados, a rua alarga um
pouco, formando um rectângulo, estreito, arborizado e com bancos de
jardim: é a Praça da República. Num dos bancos, um velho de pele
amarelada, seco e curvado, de mão nodosa apoiada a um bordão, cabeça
tombada, ausente e de olhos parados como de cego, fita o chão. Perto, e
tão distantes, debaixo de uma palmeira, dois rapazinhos jogam ao
berlinde.
Quando passo, calam-se. E todos
os quatro, sem se moverem, vão virando furtivamente os olhos, a tentar
descobrir quem sou, de onde venho, que faço. Sigo em frente como se nada
tivesse notado. Ao passar, noto aborrecido que, à esquina da Praça da
República, o Bar da Tia Anica ainda não abriu.
E lá continuo no jogo do cego que
vê tudo. A tarefa obriga. Ver, ouvir e saber eis a base do repórter.
Assim, indo a meio caminho, avisto, pela porta de uma casa térrea,
quatro ciganos vestidos de preto, caras duras e de chapéu negro,
sentados em volta de uma mesa. Atrás deles, de pé, quatro ciganas
delgadas e altas, também vestidas de preto, aquietavam-se, de braços
cruzados sobre os seios. No silêncio da casa, a mais jovem, de queixo
atirado para a frente, chora.
Foi somente o que vi. Nada mais
do que isso. Um quadro para ilustrar uma crónica de repórter. Bem
diferente, no entanto, da fotografia dos três ingleses de Monte Gordo.
In: Manuel da Fonseca, Crónicas Algarvias