“Silves está já á vista, além do rio
Arade, n’uma perspectiva scenographica, em amphitheatro, onde por entre borrões
vermelhos de telhados contrasta a múmia pergaminhada da Sé Episcopal e os
retalhos abandonados da fortaleza mourisca.”
Por isso ella arrasta hoje a vida
monótona de cidade provincial, condemnada aos «trabalhos forçados» de fazer
rolhas, quando os attractivos archeologicos gritam, em vão, pelos homens
cultos, mostrando-lhes a vetusta cathedral – hoje templo matriz – considerado o
mais importante do Algarve, ainda com ressaibos de mesquita, de naves magestosas
e janellas em ogiva, que por algum tempo guardou os despojos de D. João II, até
que o Rei Afortunado os fez trasladar ao mosteiro da Batalha.
N’um mercado de trazer na algibeira,
em terreno que enfrenta com o quartel, mulheres feias, de lenço vermelho e
chapéu de feltro, saias de viuvez, acocoram-se diante das amostras de verdura e
da fructa, entretendo os parenthesis de venda em colloquios amoráveis com os
soldados da guarnição, que, em gtrajos sujos de caserna, com a beata atrás da
orelha, vão despedindo olhares de braza e descascando pevides.
O dia avança e o horário aperta-nos
entre a contigencia de sahir já ou de ficar por largas horas n’esta cidade
adormecida que tem uma Sé sem bispo, um rio sem navegação, dois hotéis sem
hospedes e algumas prisões sem reclusos!”
in: João de Arruda - Cartas d'um Viajor, 1908, pp. 77-79
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