janeiro 14, 2012

Tavira
"A nossa primeira visita é para o quartel, edificação sumptuosa, que prolonga as suas casernas em torno da parada, copmo azas d’um insecto gigantesco. Percorremos todas as dependências que se mostram orgulhosamente. E o próprio coronel – do nosso conhecimento – que se digna inteirar-nos dos benefícios que teem engrandecido o alojamento militar, dos mis completos do paiz. Ao penetrar n’um dos dormitórios, onde fiadas de camas se alinham n’uma monotonia hospitalar, alguns soldados jogavam as cartas sobre a tarimba e o próprio cabo da guarda, olvidando os deveres da ordenança, participava do passa-tempo, deitado de bruços sobre a enxerga. Foi um dies irae a apparição do coronel. E teria sido também uma pagina triste na … baixa do cabo, se as nossas supplicas não conseguissem demover o propósito disciplinador do commandante que – ai d’elle! – a esta hora dorme o sonno dos justos sob os cyprestes do campo-santo. Este detalhe da nossa visita a Tavira não se apaga facilmente do nosso espírito, como jamais as apagará a memoria do brioso militar que tão amavelmente nos acolheu.


Estâmos na praça que recorta a sua pittoresca ateada, sob os paços do concelho: é ali o centro cívico da terra, o rendez-vous da classe grada, o conclave político, o commentario aos acontecimentos mundiaes, o thermometro da alegria ou da desolação nos lances da pesca.

D’ali abrem os arruamentos que são amplos, bordados de bons edifícios, e para toda a gente se ramificam «maeadams» de ligação aos grandes povoados: a Vila Real, a Beja, a Loulé, a Castro-verde, a Olhão, a Almodovar e a Faro.

A egreja matriz de Santa Maria do Castello, a antiga mesquita, em parte destruída pelo terremoto, é sepultura de D. Paio Peres Correia – o Jack estripador…do mourismo – S. Thiago, também matriz, crê-se datar do século XI, mas promette derruição se os poderes públicos não acudirem a sua … cachexia senil.

Não nos proporciona o horário mais detalhado exame aos edifícios religiosos de Tavira que são magníficos: o da Misericordia impõe-se pela belleza dos seus azulejos; o de S. Francisco, que foi obra de D. Diniz, soffreu as inclemências d’uma trovoada, mas não deixa por isso de merecer a visita dos forasteiros.

Uma rápida mirada ao Asylo da Infancia Desvalida – installado no antigo mosteiro de carmelitas, que é, na modéstia das suas proporções, um primor de asseio e de boa ordem, com os seus terraços altaneiros a proporcionar ao viajor um golpe de vista empolgante. De caminho, a entrada obrigatória no templo, que ainda mantém a beleza das suas pinturas e… a esmolinha bemdita n’um dos cofres do Asylo, fechado a sete chaves, mau grado a protecção da Senhora do Carmo, que sob a forma de registo impresso, espreita o orifício do mealheiro!"
in: João de Arruda - Cartas d'um viajor, 1908, p. 117

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