in: Raul Brandão, Os Pescadores
Uma viagem ao(s) Algarve(s)!!! «O viajante não é turista, é viajante. Há grande diferença. Viajar é descobrir, o resto é simples encontrar» (Saramago)
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maio 20, 2016
O marítimo de Olhão
"O
marítimo de Olhão tem, como nenhum outro, um grande sentimento de
igualdade: estende a mão a toda a gente. É que no mar os homens correm
os mesmos perigos. São também profundamente religiosos, porque estão a
toda a hora na presença de Deus. Duas tábuas, a fragilidade e a
incerteza forçam-nos a contar consigo e com a companha. Arriscam a vida
para salvar a dos outros: hoje por ti, amanhã por mim. Homens simples
porque a profissão é simples e o meio, grande e eterno, não os corrompe.
E, como o mar abundante e pródigo não tem cancelas, são generosos,
imprevidentes e comunistas. Detestam os tribunais, que não compreendem, e
ignoram a vida da terra. Se a mulher lhes morre, não entram em
licitações com os filhos: deixem-lhes a eles o barco e as redes e tomem
conta do resto. Reparei que em todas as casas havia uma gaiola com um
pintassilgo. Os homens do mar tiveram sempre uma grande ternura pelas
aves."
maio 07, 2016
Olhão
"De manhã saio em Olhão deslumbrado. Céu azul-cobalto - por baixo, chapadas de cal. Reverberação de sol, e o azul mais azul, o branco mais branco. Cubos, linhas geométricas, luz animal que estremece e vibra como as asas de uma cigarra. Entre os terraços, um zimbório redondo e túmido como um seio aponta o bico para o ar. E ao cair da tarde, sobre este branco imaculado, o poente fixa-se como um grande resplendor. É uma terra levantina que descubro; só lhe faltam os esguios minaretes. Duas cores e cheiro : branco, branco, branco, branco doirado pelo sol, que atingiu a maturidade como um fruto, pinceladas de roxo uniformes para as sombras, e um cheirinho suspeito a cemitério. O fruto que chega a este estado está a dois dedos do apodrecimento, e é talvez por isso que a ideia do sepulcro me não larga nas noites brancas e pálidas em que me julgo perdido num vasto campo funerário..."
in: Raul Brandão, Os Pescadores
abril 21, 2015
Em todo o Algarve a mulher é a prenda da casa
(...)
Em
todo o Algarve a mulher é a prenda da casa. Trá-la muito bem tratada, muito bem
fechada, restos da vida moura. A de Olhão, trigueira, de olhos negros e um
lindo sorriso
reservado, passa por a mais bela da província, pela vivacidade, e pela fartura
do cabelo.
Já em S. Brás de Alportel, ali perto, as cabeças têm reflexos doirados e os
peitos são
desenvolvidos. Sentadas nas esteiras sobre os calcanhares, nas casas forradas
de junco
ou de palma, fabricam as alcofas, a golpelha em que se transporta a alfarroba e
o figo, e as alcofinhas mais pequenas, chamadas alcoviteiras. Ainda há pouco
tempo todas usavam
cloques e bioco. O capote, muito amplo e atirado com elegância sobre a cabeça, tornava-as
impenetráveis. (...)
in: Raul Brandão, Os Pescadores
abril 19, 2015
Todo o Algarve é um pomar
(...)
Todo o Algarve é um pomar cultivado com esmero. A gente do Alentejo, quando vê um bocado de terra bem tratada, diz: – É um pedacinho do Algarve. – Mas não se lembra que o Algarve está retalhado, pulverizado, três pés de oliveira, dois pés de amendoeira, e as almas rancorosas divididas como a terra. (...)
Todo o Algarve é um pomar cultivado com esmero. A gente do Alentejo, quando vê um bocado de terra bem tratada, diz: – É um pedacinho do Algarve. – Mas não se lembra que o Algarve está retalhado, pulverizado, três pés de oliveira, dois pés de amendoeira, e as almas rancorosas divididas como a terra. (...)
in: Raul Brandão, Os Pescadores
abril 17, 2015
A fartura é a sardinha
(...)
Mas a abundância e a riqueza, a fartura, é a sardinha. Foi inesgotável, foi compacta, tanta que noites inteiras e seguidas ninguém em Olhão podia dormir. E dizia-se:
– Houve hoje grande matação de peixe. – Há aqui duas qualidades: a do sueste, que vem em Abril e arranca aos cardumes da costa de Marrocos; e o peixe do sudoeste,
maior, mais gordo e menos saboroso, isto sem contar com a sardinha de passagem, que aparece em Janeiro quando desova. – Já lá anda perdida... – dizem os pescadores. –
Morde-lhe a ova.(...)
Mas a abundância e a riqueza, a fartura, é a sardinha. Foi inesgotável, foi compacta, tanta que noites inteiras e seguidas ninguém em Olhão podia dormir. E dizia-se:
– Houve hoje grande matação de peixe. – Há aqui duas qualidades: a do sueste, que vem em Abril e arranca aos cardumes da costa de Marrocos; e o peixe do sudoeste,
maior, mais gordo e menos saboroso, isto sem contar com a sardinha de passagem, que aparece em Janeiro quando desova. – Já lá anda perdida... – dizem os pescadores. –
Morde-lhe a ova.(...)
in: Raul Brandão, Os Pescadores
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