janeiro 30, 2012

Silves

“Silves está já á vista, além do rio Arade, n’uma perspectiva scenographica, em amphitheatro, onde por entre borrões vermelhos de telhados contrasta a múmia pergaminhada da Sé Episcopal e os retalhos abandonados da fortaleza mourisca.”
Por isso ella arrasta hoje a vida monótona de cidade provincial, condemnada aos «trabalhos forçados» de fazer rolhas, quando os attractivos archeologicos gritam, em vão, pelos homens cultos, mostrando-lhes a vetusta cathedral – hoje templo matriz – considerado o mais importante do Algarve, ainda com ressaibos de mesquita, de naves magestosas e janellas em ogiva, que por algum tempo guardou os despojos de D. João II, até que o Rei Afortunado os fez trasladar ao mosteiro da Batalha.
N’um mercado de trazer na algibeira, em terreno que enfrenta com o quartel, mulheres feias, de lenço vermelho e chapéu de feltro, saias de viuvez, acocoram-se diante das amostras de verdura e da fructa, entretendo os parenthesis de venda em colloquios amoráveis com os soldados da guarnição, que, em gtrajos sujos de caserna, com a beata atrás da orelha, vão despedindo olhares de braza e descascando pevides.
O dia avança e o horário aperta­-nos entre a contigencia de sahir já ou de ficar por largas horas n’esta cidade adormecida que tem uma Sé sem bispo, um rio sem navegação, dois hotéis sem hospedes e algumas prisões sem reclusos!”
in: João de Arruda - Cartas d'um Viajor, 1908, pp. 77-79

janeiro 27, 2012

Milreu

Fica a sugestão para o fim de semana, uma visita a Milreu:


De Portimão a Faro no início do séc. XX

“Vão de Portimão a Faro numa locomotiva. As campanas das estações vão-nos indicando o trajecto té á bifurcação de Tunes: Albufeira recorda-nos a sua lagoa, Loulé avisa-nos o grande emporio do commercio algarvio, Almancil e… estamos em Faro, terra fundada pelos pescadores no século XII, a pouca distância de Estoy, que foi outr’ora famosa cidade romana com suas thermas inda hoje visíveis nos restos das piscinas mosaicadas a trez cores que o desprezo deixa aniquilar pelos cabreiros á beira de uma estrada pública.”
in: Cartas d'um Viajor, p. 101

janeiro 26, 2012

Receitas tradicionais

"Sopas de Pão Caseiro Rijo com Bacalhau e Poejos
Autora: Almerinda Faísca

Ingredientes:
4 postas de bacalhau, 1 molhinho de poejo, 1 cebola média, 2 dentes de alho, 2 tomates maduros, 1 decilitro de azeite, 1 folha de louro, sal q.b., pão caseiro rijo.

Preparação:
Pica-se a cebola e os alhos e colocam-se a refogar com o azeite até alourar, juntamente com a folha de louro.
Seguidamente colocam-se os tomates picados, tempera-se com sal e deixa-se cozer.
A seguir juntam-se as postas de bacalhau até cozer e o poejo picado.
Entretanto corta-se o pão em pequenas fatias num recipiente, deita-se o preparado nas sopas de pão e abafa-se com um prato durante 15 minutos."

Receita Recolhida em Querença - Concelho de Loulé (fonte: Confraria dos Gastrónomos do Algarve)



janeiro 24, 2012

"... em 1915, no 1.º Congresso Regional Algarvio, o relator Agostinho Lúcio denunciava, ali, o desanimador estado das estradas algarvias. O Algarve estava então «pobremente servido de estradas»; «as construídas raramente estão concluídas»; as estudadas na sua grande maioria mal começadas»; «há muitas a estudar para completar um modesto plano de viação districtal»; «o estado de conservação da grande maioria das estradas é uma vergonha administrativa»; «uma radical reparação e um regime de séria fiscalização se impõe, por exigencias dos fins a que se destinam e por obediencia às normas de economia nacional."

in: Aníbal C. Guerreiro, História da Camionagem Algarvia (de passageiros): 1925-1975 (da origem à nacionalização), s.l., s.n., 1983,p. XI.

janeiro 23, 2012

                                   

“Janeiro. – Extraordinário, este céu ao por do Sol! Todo coberto duma colgadura de púrpura, que parece arrastar-se por cima da ponte, mas rasgada a espaços sobre um fundo longínquo de porcelana verde..."
in: Viajantes, Escritores e Poetas – “M. Teixeira-Gomes e o Algarve”, Ana Carvalho, (p.149 e segs.)

janeiro 21, 2012

Curiosidades do falar algarvio:

"Àvondo ou àvonde (tem... ou...): basta, chega. Usa-se sobretude quando se quer significar que não desejamos mais de algo que nos estão servindo ou quando se pergunta a alguém se deseja mais. Arcaísmo. Do latim abundare, através do arcaico avondar. Também se diz àbonde."


in: Dicionário do falar Algarvio -  Eduardo Brazão Gonçalves, Algarve em Foco Editora, , 1996, p. 40

janeiro 20, 2012

"Se Portugal é pouco conhecido, pode-se dizer que o reino dos Algarves é praticamente desconhecido dos próprios portugueses e, no entanto, é talvez a província mais interessante do reino e a mais curiosa para se visitar. Desde que o caminho-de-ferro se estendeu até Faro, menos difícil lá chegar; contudo, percorrer este velho reino, a que os mouros da Andaluzia chamava El Garb, a região situada a oeste, não é fácil e nunca o será, mesmo que o caminho-de-ferro venha a ser prolongado até Lagos e mais para diante.
(…)
Faro é a cidade mais importante da costa que se estende do Guadiana ao cabo de S. Vicente; aí podemos encontrar tudo o que se desejar, segundo os dados oficiais, a começar por dois ou três hotéis, entre os quais o melhor… está por construir." - Descrição de Gabriel de Saint – Victor aquando de uma deslocação à região, final séc. XIX.



janeiro 19, 2012



 


"Na cumeeira da serra de Monchique, que atinge os 900m, encontramos uma escadaria de tabuleiros rara não só na região, como no Sul do país. São terrenos agrícolas, designados por canteiros, dispostos em socalcos que formam anfiteatro nos pequenos vales abertos entre a penedia. Hoje alguns estão abandonados, mas o rigor e esmero da sua construção mantêm-nos firmes, mesmo sob o clima húmido desta altitude."

in: Portugal O Sabor da Terra - Um retrato histórico e geográfico por regiões - José Mattoso, Suzanne Daveau e Duarte Belo,Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2010,  p. 643

janeiro 18, 2012

Mapa Algarve anos 20 - 30 séc. XX

"O acesso ao Algarve, por via fluvial, pelo Guadiana, fazia-se em 1883, há cerca de cem anos, entre Mértola e Vila Real de Santo António. «O vapor da carreira, em que embarcamos – informa naquele ano o Visconde de Benalcanfor – gasta quatro horas e meia entre Mértola e vila Real de Santo António. As ruas primeiras horas da viagem são tristes pela monotonia e aspereza da paisagem, formada de cabeços escalvados, sinistros, que vão colleando sem interrupção, de uma e de outra margem”

in: Aníbal C.Guerreiro  - História da Camionagem Algarvia (de passageiros): 1925-1975 (da origem à nacionalização), s.l., s.n., 1983.

janeiro 17, 2012

Quanto ao século XIX, as vias de acesso ao Algarve processam-se ainda por mar, principalmente pelas carreiras regulares de barcos a vapor, e antes deles, pelos típicos caíques de velas latinas (…)

Relativamente às viagens de barcos a vapor, descreve-nos Pedro Tavares, em 1889, uma delas, da capital do Algarve para Lisboa. Oiçamos apenas alguns trechos mais expressivos:

-«O navio estava ainda no rio de Faro. Em breve levantou ferro e partiu aos ziguezagues por causa do leito do rio (…) A pouco trecho começamos a sahir a barra.

Os passageiros começam a descorar, em seguida empallidecem e por fim esverdinham. Aqui começou a dança. Dançava o navio, dançavamos nós (…) Uma vaga indiscreta, galgando a amurada, veio mimosear-nos com uns borrifos, obrigando-nos a encolher a respiração. Os passageiros erguem-se então; procuram equilibrar-se dando as mãos uns aos outros; sorriem ainda heroicamente de um sorriso bilioso, entre cuspido e desvairado; e em guinadas de bombordo a estibordo, curvos, acocorados, quasi sentados no chão e desgrenhados pelo vento, baixam à câmara depois de haverem espargido sobre a senda da vida, no tombadilho, todo o almoço»

in: Aníbal C.Guerreiro  - História da Camionagem Algarvia (de passageiros): 1925-1975 (da origem à nacionalização), s.l., s.n., 1983.

janeiro 16, 2012


Em Olhos de Água, pequeníssima praia da zona de Albufeira, passava férias Lídia Jorge, escritora algarvia de Boliqueime. O encanto estava nos olheiros de água doce que surgiam quando baixava a maré. «As pessoas tinham uma relação com a praia muito natural» (recorda a escritora) «Até se amanhava o peixe nessas poças de água salobra».

Mais tarde, já a convite de Maria Aliete Galhós e inserida num grupo intelectual, Lídia Jorge continuava a gostar de passear ao longo da falésia, em direcção a Albufeira. Por ali, em grandes caminhadas à beira-mar, andavam igualmente Maria e Aníbal Cavaco Silva, nos anos 50 ainda adolescentes e apenas amigos.
 in: Revista Visão de 19-07-2007
                                                             Hotel Guadiana, Vila Real de Santo António

janeiro 15, 2012

Ainda sobre Vila Real

"Apeiem os andares nobres da baixa de Lisboa, desnudem as montras luxuosas, introduzam-lhes algumas fabricas de conserva e de lanifícios e terão a Villa Real de Santo António, com o carimbo pombalino de 1774, a substituir de Arenilha que o mar lambeu traiçoeiramente.

Percorremos enthusiasmados este modelo de grande cidade moderna, com arruamentos amplíssimos, de trinta metros alguns, alinhados pela fileira geométrica.

Não há monumentos da velha idade e não há ociosos. A vida pesca é o pão-nosso da terra e nunca um povoado imitou melhor o «cura de pobres» - porque fal-os e baptisa-os! Elles arpoam o atum e a curvina, elles a conservam, elles a collocam em todos os mercados do mundo. Raça privilegiada de trabalhadores. Nem parecem portuguezes, os malditos! Cheios de fé na sua Virgem protectora, são pontuaes à missa domingueira na egreja matriz – que o Marquez de Pombal lhes doou – e participam com enthusiasmo das festas annuaes. Fôra disto, os seus templos são o Mar e a Fabrica, e quando Deus quer, um bocadinho de candonga representada por alguns innocentes lenços de seda que pela calada da noite, no silencioso deslisar dos barcos, em remadas discretas, vêem apparecer na villa, trazidos de Hespanha sem a contrastaria do posto fiscal que não cessa por isso de arregalar bem os seus olhos de Argus.

A permanência do forasteiro em Villa Real obriga um assalto a Ayamonte, que fica vis-à-vis, a um tiro d’espingarda. Não faltam para isso barcos de todos os formatos que teem o exclusivo d’estas carreiras e uma tabella de preços … elástica. De resto, a travessia faz-se por diminuta esportula. O viageiro percorre a avenida marginal do Guadiana, onde já se altheiam casas de boa esthetica, a fazer negaças para Ayamonte, e tem logo a certeza de que não necessita de deitar pregão para que os catraeiros, surgindo de toda a parte, como diabos de magica, o atraquem, desbarretando-se n’um servilismo de roça, perseguindo-o até ao cães, a encarecer a solidez e o andamento do seu barco.

Não quizemos esquivar-nos à praxe de ver a povoação castelhana, e depois de visitar, inda que fugidiamente, uma das grandes fabricas de conserva de atum, tomâmos assento n’um dos cahiques que coalham o rio – e vá de alliviar a escota, vela enfunada ao vento, cortando a massa agitada das aguas como um arado em terras frescas.

“Nada nos obriga a addiar o jantar no Hotel de las campanas, onde nos alojamos, o mais apparatoso da terra, com o seu balcão architectonico de granito lavrado, o seu amplo comedor em tons de carvalho e as suas servientas palradoras com medalhas de cravos no topete.

O repasto decorre em alegre intimidade, esmaltado de ditos espirituosos sobre o menu, que contrasta pela originalidade com a monótona cosinha portugueza. Ao «tost» bebe-se à Hespanha cavalheiresca e… salerosa. Só depois d’isto nos decidimos a cruzar os arruamentos pedregrosos, d’uma irregularidade de meandrica, por onde as mulheres transitam descuidadamente, soberanamente – A que vás, Mercêdes? A casa de mi padre! – dispensando-se de caudatarios para cohonestar os seus constantes passeios.

Vamos também ao café, que nos hotéis hespanhoes é fructo prohibido, e como se torna necessário entreter o tempo, façamos um rodeio pelo bairro alto da cidade que se distende em fiadas de casas uniformes, de regular aspecto, em cujas frontarias abrem nichos illuminados. Ali vive a população industrial e piscatória."
in: João Arruda - Cartas d'um viajor, 1908

Vila Real de Santo António

janeiro 14, 2012

De Tavira a Vila Real – que sei eu? – talvez cinco léguas de campina que se dilata, sem contrastes violentos, repartida por terras de pão, enleamentos de videira, couvaes e brancuras de marinhas. A estrada é raza: poucos povoados e nenhuns cães ladradores. Conceição é uma das terreolas mais avultadas que se avista. Da banda do mar colónias de pescadores, que vivem da eterna contemplação das ondas, mettidos nas suas cabanas de colmo e de taboado, nas intercadencias da pesca, como as tribus de verão no paiz do esquimões. Faz um céu d’anil, muito transparente… D’onde aonde torna se preciso estimular o cocheiro que parece ler pelo breviário de Sancho.

Será Villa Real de Santo Antonio o que se divisa n’um fundo de montanha, braquejando como uma necrópole immensa! Não. E Ayamonte, a fronteiriça cidade cidade andaluza que pompeia a sua casaria trepando pela encosta. Villa Real alastra-se em baixo, n’uma planície arenosa junto ao Guadiana, sem alardes tradiccionaes além dos que lhe vêem da fama do seu atum que percorre todos os recantos do universo, levado não nas azas – porque isso é privativo das creaturas celestes – mas nas barbas, por signal respeitabilíssimas do sr. Tenorio."
in: João de Arruda - Cartas d'um viajor, 1908.
Tavira
"A nossa primeira visita é para o quartel, edificação sumptuosa, que prolonga as suas casernas em torno da parada, copmo azas d’um insecto gigantesco. Percorremos todas as dependências que se mostram orgulhosamente. E o próprio coronel – do nosso conhecimento – que se digna inteirar-nos dos benefícios que teem engrandecido o alojamento militar, dos mis completos do paiz. Ao penetrar n’um dos dormitórios, onde fiadas de camas se alinham n’uma monotonia hospitalar, alguns soldados jogavam as cartas sobre a tarimba e o próprio cabo da guarda, olvidando os deveres da ordenança, participava do passa-tempo, deitado de bruços sobre a enxerga. Foi um dies irae a apparição do coronel. E teria sido também uma pagina triste na … baixa do cabo, se as nossas supplicas não conseguissem demover o propósito disciplinador do commandante que – ai d’elle! – a esta hora dorme o sonno dos justos sob os cyprestes do campo-santo. Este detalhe da nossa visita a Tavira não se apaga facilmente do nosso espírito, como jamais as apagará a memoria do brioso militar que tão amavelmente nos acolheu.


Estâmos na praça que recorta a sua pittoresca ateada, sob os paços do concelho: é ali o centro cívico da terra, o rendez-vous da classe grada, o conclave político, o commentario aos acontecimentos mundiaes, o thermometro da alegria ou da desolação nos lances da pesca.

D’ali abrem os arruamentos que são amplos, bordados de bons edifícios, e para toda a gente se ramificam «maeadams» de ligação aos grandes povoados: a Vila Real, a Beja, a Loulé, a Castro-verde, a Olhão, a Almodovar e a Faro.

A egreja matriz de Santa Maria do Castello, a antiga mesquita, em parte destruída pelo terremoto, é sepultura de D. Paio Peres Correia – o Jack estripador…do mourismo – S. Thiago, também matriz, crê-se datar do século XI, mas promette derruição se os poderes públicos não acudirem a sua … cachexia senil.

Não nos proporciona o horário mais detalhado exame aos edifícios religiosos de Tavira que são magníficos: o da Misericordia impõe-se pela belleza dos seus azulejos; o de S. Francisco, que foi obra de D. Diniz, soffreu as inclemências d’uma trovoada, mas não deixa por isso de merecer a visita dos forasteiros.

Uma rápida mirada ao Asylo da Infancia Desvalida – installado no antigo mosteiro de carmelitas, que é, na modéstia das suas proporções, um primor de asseio e de boa ordem, com os seus terraços altaneiros a proporcionar ao viajor um golpe de vista empolgante. De caminho, a entrada obrigatória no templo, que ainda mantém a beleza das suas pinturas e… a esmolinha bemdita n’um dos cofres do Asylo, fechado a sete chaves, mau grado a protecção da Senhora do Carmo, que sob a forma de registo impresso, espreita o orifício do mealheiro!"
in: João de Arruda - Cartas d'um viajor, 1908, p. 117

janeiro 13, 2012

"De Olhão a Tavira, a paisagem é deliciosa, na frescura dos seus arvoredos e na variedade das culturas onde avista o motivo dominante dos figueiraes. Alguns apeadeiros, facilitando a communicação com as vivendas … e com as aldeias que se aninham por vinhedos e pomares. Fuzeta, tão celebrizada pela excellencia dos seus vinhos, e pouco depois – Tavira.

A nossa primeira impressão da cidade é de inteiro agrado, ao percorrer a linda ponte, como um enorme hyphen a dividir os dois barros marginaes. A beira d’agua, d’essa ria imensa onde as areias da foz vão conquistando o passo de grandes embarcações, desdobra-se o jardim público, na garridez da floração, desenhando caprichosos arabescos em torno do coreto. Localisa-se áli um trecho de Veneza onde não faltam, n’um arremedo de gôndolas, as bateiras recurvas dos pescadores."
in: João Arruda - Cartas d’um viajor,1908,  p. 117

janeiro 12, 2012

Olhão

A vila, que teve o seu génesis n’um agrupamento de cabanas de pescadores, e conquistou mais tarde o título de Vila Nova da Restauração, rumoreja agora de actividade, na faina constante de cahiques que povoam o porto, levando a todo o Algarve os produtos agrícolas e o peixe que as armações de sardinha e de atum conquistam aos domínios de Neptuno.

Transpomos a avendida que abre, de caminho de ferro à devota capela do Senhor dos Aflitos, onde algumas árvores desenvolvem lentamente a sua vegetação chlorotica e bancos munipaes de balde convidam ao descanço uma população de trabalhadores. E certo que as casas têm bom aspecto, sempre brancas, como pétalas d’açucena. (…) As mulheres de Olhão são formosas, d’uma beleza cativante. À falta de diversões onde pompear a sua radiosa mocidade, elas entretêm-se na contemplação do mar, binoculando as embarcações de pesca que entram e saem do porto. D’ai o motivo porque em ruas tão estreitas se vêem mirantes… tão altos.
in: João Arruda - Cartas d’um viajor,1908, p.113

janeiro 10, 2012

Empresária Inês Farrajota
A família era de Loulé e no verão mudavam-se de armas e bagagens para Quarteira. (…)
Lembra-se bem das mulheres que apareciam com grandes panelas para vender batata-doce, de manhã cedo na praia. Era um costume que, acredita Inês Farrajota, já vinha dos anos 20 e 30, quando os algarvios se levantavam muito cedo e iam dar um mergulho à praia logo de madrugada, para depois voltarem rapidamente para casa, “porque tinham medo que o sol fizesse mal”. A batata-doce, acompanhada de aguardente, era para ajudara a aquecer o corpo depois do mergulho matutino.
(…)
À noite em Quarteira animava-se uma pequena vida social, que incluía, até, uma esplanada com orquestra a tocar, onde se ficava a jogar às cartas, a organizar concurso, a eleger misses. “Havia bailaricos, e vinham pessoas das redondezas. Aparecia a Simone de Oliveira e muitos fadistas.” A animação era regulada pela central eléctrica, que à uma da manhã emitia três sinais para avisar que a luz ia ser desligada e que era hora de recolher.
(…)
… a época de banhos prolongava-se por Outubro e até Novembro, altura em que chegavam os chamados “banhistas de alforge”, que só podiam ir a banhos depois de terminarem os trabalhos nas colheitas.
in: Revista Pública de 05.07.09 (p. 16 a 21)


Algarve

1
A luz mais que pura

Sobre a terra seca

2
Eu quero o canto o ar a anémona a medusa

O recorte das pedras sobre o mar

3

Um homem sobe o monte desenhando

A tarde transparente das aranhas

4

A luz mais que pura

Quebra a sua lança



Sophia de Mello Breyner Andresen, Livro Sexto, 1962

janeiro 09, 2012

"Monchique é um lugar, quatro léguas de Silves, cujo termo é, e cai-lhe da banda do norte, à vista da mesma cidade. O sítio deste lugar parece maravilhoso a todo o homem que considera os segredos da natureza, a qual repartir todas as causas e as pôs em seus divididos lugares pera ornato e conservação do Universo. A graça e recreação que tem Sintra, na província da Estremadura, e serra da Estrela, em toda a Beira, essa podemos dizer que tem Monchique em todo o reino do Algarve, porque nele somente, Inverno e Verão, correm os mesmos ares, nacem as mesmas águas, se acha todo o género de fruta, isto é, a cereja, a castanha, o pero, a laranja e todo e mais que costuma recrear e dar deleitação à natureza humana."
« Duas Descrições do Algarve do Século XVI», in: Cadernos da Revista Histórica Económica e Social, n.º 3, J. R. Magalhães, Lisboa, 1983, p. 58.
Revista Pública de 05.07.09


Alexandra Prado Coelho “Para além do Caldeirão havia um Paraíso” (p. 16 a 21)
(…)
Manuel Baptista, (…), faz parte do grupo que, no final dos anos 1949, início dos anos 1950, começaram a “ocupar as ilhas”.
No caso dele, a ilha de Faro, que os médicos recomendavam aos pais “por uma questão de saúde” para a criança crescer forte. “ Era o paraíso. Poucas casas, a grande maioria de madeira”, e um Verão muito quente, a tornar quase impossível estar dentro de portas. E à noite, sem luz eléctrica, “ o céu era um deslumbramento”. Era o tempo em que ainda não havia ponte para a ilha, os automóveis mantinham-se à distância, e nem sequer existia a estrada que depois foi construída, dividindo a ilha em duas, de um lado a ria, do outro o mar.

(…)
Mais tarde, os pais decidiram mudar-se para outro “paraíso” – este, apesar de tudo, um pouco mais cosmopolita: Albufeira. “Era um casario branco, a descer para o mar. Até que construíram o hotel Sol e Mar, um bloco de cimento que estragou a pureza do casario.” E se na ilha de Faro o máximo que havia eram “umas quantas tabernas sobre a areia”, Albufeira “tinha um ponto de encontro que era o café Bailote, que pertencia a um pintor, estava cheio de quadros e tinha mesa de bilhar”. Depois, a pouco e pouco, começaram a chegar alguns estrangeiros – apareceu mesmo, em 1961, o cantor Cliff Richard, provocando um frisson adicional – e apareceram duas boîtes.

janeiro 06, 2012

"... não é do deserto que pretendo falar, é da minha pátria acessível, a mais privada, aquela para qual imagino uma nova Metrópole a organizar-se, diante do mar, e ainda que soe mal, por ela eu daria a minha vida, como aquele poeta mexicano, em relação a dez dos seus lugares.
Refiro-me ao Algarve, uma região que se manteve durante séculos autónoma em relação ao país, mesmo no plano simbólico, de tal modo que por vezes os monarcas só a nomeavam depois de darem a volta ao Mundo, na enumeração que faziam dos seus territórios privados. (...)"
In: Contrato Sentimental, Lídia Jorge – Sextante Editora, 2009, p. 149

janeiro 05, 2012

"Subir a Fóia, pela estrada que vem de Monchique, é um bonito passeio que permite igualmente ir observando a mudança de vegetação à medida que se sobe (…). Entre o fim das árvores e o alto da montanha, mais longamente podemos verificar o aparecimento dos arbustos, de grande porte ao princípio, depois cada vez mais pequenos, passando do medronho à esteva, desta à urze e ao tojo e, finalmente à erva rasteira no meio de pedras enormes"
in: Novos guias de Portugal – Algarve, José Victor Adragão, Editorial Presença, 1985, p. 162
“As caldas de Monchique são um éden de vegetação e de frescura em pleno Algarve. Quando o estio calcina a terra, refugiarmo-nos nesta mansão da natureza é viver a vida descuidosa dos abades longe do struggle of life.
(...)
O balneário é uma casa ampla, ao rez do chão, um tanto pesada nas suas abobadas, e repartida para a direita e para a esquerda em cacifos destinados aos banhos de immersão, duches geraes e parciaes de vapor, massagem, mecanotherapia, gymnastica medica, e bromotherapia. Jorram ali quatro nascentes d’aquas minerales hyposativas, carbonatadas, alcalinas e sulfatadas, alem de aguas férreas e potáveis puríssimas. O edifício limita uma das faces do terreirto destinado aos jogos, à cavaqueira, aos concertos e aos giros chorographicos que constituem o proemio dos casamentos… d’arribação. Em torno há o casino, e chalets para uso da colónia balnear."
in: João Arruda - Cartas d’um viajor. 1908, pp. 86-87






Caldas de Monchique














janeiro 04, 2012

“Mergulhamos no sono, até que a frescura arrepiante da madrugada, nos surpreende nas proximidades de S. Bartolomeu de Messines, oferecendo-nos completa mutação de paisagem. Por toda a parte que a vista abrange a Figueira, a Amendoeira, a Alfarrobeira – trindade vegetal que faz a riqueza do Algarve”.


in:João Arruda - Cartas d’um viajor. 1908, p. 74

janeiro 03, 2012

“ ... Não há perspectiva nem paisagem marítima que me não empalideça na imaginação, à lembrança e ao confronto dos trechos da costa Algarvia que conheço. E quando mais acentuadamente clássico e mediterrâneo é o quadro, melhor me ressalta a graça, a harmonia o acabado das composições que enriquecem as praias da minha província."


in: Viajantes, Escritores e Poetas – «M. Teixeira-Gomes e o Algarve», Ana Carvalho, (p.149 e segs.)